sexta-feira, 22 de julho de 2011

Doidos, Álcool e outras Reflexões Autor:Pregado na Cruz









Doidos, Álcool e outras Reflexões






I

A história que se segue não é um romance. Não é uma história de vida. É parte de uma história de vida. Também não é um diário. É um conjunto de histórias da minha vida, talvez desgarradas, o que se deve ao facto da profunda tristeza e depressão em que me encontro. Mas podem talvez servir a alguém para que não cometa os mesmos erros em que caí e emendar comportamentos e atitudes.
A vida é bela nós é que damos cabo dela, ouve-se por vezes dizer. Não é verdade. A vida é um imenso calvário para grande parte da humanidade que morre de fome, de sede, de falta de agasalho, de habitação condigna, da falta de amor do próximo.
No que me toca ela foi isso mesmo. Aos três anos sofri um acidente de automóvel e fiquei sem dentes até aos doze anos, tendo sido lancetado nas gengivas para facilitar o surgimento da dentição definitiva. Aos trinta anos sofri de cancro e sujeitei-me a operações dolorosas. Aos cinquenta anos fiquei desempregado e sem quaisquer meios de subsistência. Caí na vida como se saltasse do monte Evereste para a fossa do Mindanau.
A vida não é, pois, bela até porque termina na morte embora eu acredite que a morte não é o fim de tudo.
Aos leitores peço compreensão. O texto é o resultado de uma emotividade constante e, não sendo reflectido, emendado para respeitar a língua portuguesa, não pode ser bom. Mas talvez sirva para alguns porque é o testemunho de um ser humano.
Era já princípio de noite escura de um Novembro chuvoso. Ele irrompeu irado na nossa casa da Parede seriam umas oito horas da noite. Ma minha mãe no quarto ao lado dormia. O meu irmão dirigiu-se ao meu quarto, desapertou o cinto e, chamando-me em voz alta, disse que me levantasse da cama. Eu obedecia aterrorizado e meio alcoolizado pelos tres ou quatro bagaços que bebera naquele dia. De imediato recebi uma chicotada com o cinto que me fez deitar no chão, todo encolhido. Não me defendi, não resisti. Voltei a encolher-me ainda mais e tentei proteger a cabeça com as mãos mas recebi chicotadas nas costas e na região renal que originaram várias nódoas negras que perdurariam por muitos e muitos dias.
Depois, em tom irado, mandou que me levantasse e gritou zangado: “Malandro, patife, vamos embora; calça-te e veste-te imediatamente porque vou pôr-te fora desta casa”. No quarto ao lado minha mãe continuava dormindo silenciosamente. Não acordara apesar do barulho, do tumulto do quarto ao lado. Obedeci-lhe prontamente e fui empurrado com violência porta-fora. Os insultos continuaram no elevador e na rua. Entrei no carro dele tal qual um pequeno cão dócil com as lágrimas correndo-me abundantemente pelas faces. Para onde iria? Onde iria ele levar-me? Mil ideias cruzaram-se no pensamento. Ao médico psiquiatra dele? A um hospital? A qualquer outro médico ou instituição? Segui viagem de olhos fechados, chorando intensamente pela minha trsite vida, pela incerteza de não saber o que queria fazer de mim, pelas dores causadas pelo violento chicoteamento a que me tinha sujeito. A minha vida desabara. Eu era um desempregado de longa duração, a viver com a mãe de oitenta anos e convivendo com uma empregada muito esperta e ladina mas que me odiava. Ela era uma sexagenária sabida, retornada de Angola, divorciada e com uma filha, que trabalhava num lar de idosos mesmo em frente de nossa casa. Como trabalhava por turnos, tinha a possibilidade de trabalhar nas limpezas da nossa casa, de fazer uma sopa para a minha mãe, de organizar os remédios dela e mesmo de fazer algumas refeições ligeiras. Tinha encontrado na nossa casa bom dinheirinho, talvez mesmo o equivalente ao que ganhava no lar e a que ainda juntava a venda de produtos de beleza para senhora: cremes, champôs, produtos para o cabelo e outras coisas.
Era uma mulher que sabia de tudo o que se passava no bairro embora morasse bem londe dali. E sentiu-me como um intruso que entrara na vida que ela construira com a minha mãe, de pequenos passeios e limpezas ligeiras de casa e de outros pequenos trabalhos como pentear a minha mãe, dar-lhe banho, cortar as unhas de pés e maõs, acompanhà-la ao cabeleireiro ou ir com ela fazer pequenas compras. Eu tornara-me, assim, um intruso na vida daquela mulher logo que fui viver para casa da minha mãe, desempregado, em processo de doloroso divórcio, com uma enorme depressão que me tinha levado ao alcoól. Às oito horas ou ainda antes que o café abrisse, já eu estava à porta para beber um bagaço. Depois bebia outro a meio da manhã e ainda outro da parte da tarde. Era uma forma de fugir à minha dor, à minha depressão, à minha vida sem sentido.
Chegámos, sem eu saber como, a um hospital que eu não sabia qual era. Aos empurrões do meu irmão, entrei na urgência do hospital que muito depois vim a saber tratar-se do Curry Cabral. Aguardámos ser atendidos, eu de pé o meu irmão sentado. O atendimento foi invulgarmente rápido. Agora eu e o meu irmão estavamos sentados em frente ao médico psiquiatra de serviço e eu contei-lhe em breves traços a minha história de vida recente. Disse-lhe que sentia um enorme nervosismo e depressão e que me refugiara há três meses no alcoól e que bebia muitos bagaços por dia. O meu irmão também falou. Disse ao médico que eu estava a destruir a minha família e a minha mãe. Pediu o meu internamento imediato. O médico acedeu pacificamente áquele pedido e disse que eu podia ser internado numa clínica privada(e nomeou a de Carnaxide como exemplo), ou no Hospital Júlio de Matos. O meu irmão não hesitou um segundo e respondeu :”Dr., é no Hospital Júlio de Matos que eu quero que ele seja internado.” Eu concordei pacificamente pois sabia muito bem os elevados custos a suportar se a opção fosse pelo privado. E estávamos esperando que o médico escrevesse alguns papéis sobre assuntos burocráticos ligados ao meu internamento no hospital quando inesperadamente o telemóvel do meu irmão tocou. Era a minha irmã. Tinha ido a casa da minha mãe e tinha-a encontrado inanimada, deitada na cama, e comprimidos vários espalhados pela cozinha. A minha mãe tentara suicidar-se. Por causa de mim e da desgraçada vida que levava. O meu irmão disse-lhe para imediatamente ligar para o 112, o número de emergência médica. Ela assim fez mas o socorro demorou e ela ligou ao meu irmão uma e outra vez dando conta que o socorro tardava. O médico assistiu a tudo, imávido e sereno. Eu estava destroçado. De repente, vi-me noutra sala onde um enfermeiro me mandou despir, entregar a roupa e sapatos ao meu irmão e outros pertences pessoais como o relógio, a bolsa do dinheiro, a aliança de casamento que usava e continuo a usar até morrer. O meu irmão abandonou o hospital e eu fui conduzido a uma quarto onde estavam deitados mais três doentes. Um quarto completamente escuro e fechado à chave. Deitei-me e pensei que a maior das desgraças desabara sobre mim. Interroguei-me sobre como estaria a minha mãe e o que iriam fazer de mim. De inesperado uma súbita vontade de urinar me assolou. Levantei-me. Bati com força no vidro da porta. Um homem de bata branca fez-me sinal de que ia abrir a porta. E assim fez. Disse-lhe o que queria. Ele acedeu desde logo. E assim me desloquei em passo rápido para a casa de banho. No regresso o homem da bata branca dirigiu-se a mim e inquiriu-me: “Você é gilvicentino, não é?” A pergunta alegrou-me. Alguém me reconhecia. Ser gilvicentino significava ter estudado no Liceu Gil Vicente, estabelecimento de ensino à Graça, em Lisboa, na Rua da Verónica. Respondi-lhe de imediato:”Sim sou. Como sabe?” Ele retorquiu:”Fomos colegas no Gil Vicente ou melhor, eu fui da turma do seu irmão. Canaveira, lembro-me muito bem do apelido dele.” Eu pedi desculpa de não o reconhecer e confessei-lhe um certo conforto de encontrar um gilvicentino. Perguntei-lhe:”É médico?” Ele respondeu-me:”Não, sou enfermeiro.” A conversa terminou rápido. Ele apontou-me a porta da enfermaria e voltou a trancar-nos, a mim e aos outros que dormiam profundamente.
As horas passaram. Eu continuei acordado sofrendo e interrogando-me sobre o estado de minha mãe. Madrugada já alta, alguém abriu a porta. E com um leve toque no meu corpo dorido disse-me:”Venha, vai ser transferido para o Hospital Júlio de Matos”.
Aguardava-me uma velhíssima ambulância, ao estilo sul-americano, com, talvez, nove lugares sentados e mais dois para o condutor e acompanhante. A carrinha já estava cheia; faltava um.
Vários homens e mulheres, desgrenhados, cabisbaixos, de olhos vermelhos, vestidos com uma espécie de bata do hospital tal como eu, já estavam sentados. Chovia copiosamente em Lisboa. Pelo vidro da ambulância, com as suas luzes características, consegui com dificuldade vislumbrar por entre as gotas de chuva que rapidamente corriam no vidro, a Praça de Londres, a Av. de Roma, a Praça de Alvalade e o seu Stº António gigante e, por fim, a entrada no Júlio de Matos. A ambulância percorreu depressa as ruas daquele parque hospitalar e foi deixando em pavilhões diversos alguns dos seus ocupantes. Por fim chegou a minha vez. Deixei a ambulância e entrei num pavilhão onde fui recebido por um enfermeiro e uma auxiliar. Perguntaram-me se queria alguma coisa. “Um iogurte?” sugeriu a auxiliar uma mocetona bonita e bem nutrida. Aceitei a sugestão e comi o iogurte que ela me deu. Conduziram-me a uma enfermaria muito pequena mas com quatro camas onde dormiam três homens. Deitei-me na quarta cama e, não sei se por efeito do extremo cansaço que sentia se por efeito de algum comprimido que me dessem sem que eu tenha registado esse facto, adormeci profundamente.

II

“Toca a levantar e a tomar banho. Vá, vamos embora rápido” gritou um enfermeiro acordando-me. Eu que não fizera tropa estava agora sujeito a um regime que me fazia lembrar o militar. Obedeci prontamente e vesti alguma roupa que me deram. E procurei de seguida descobrir o local onde estava. Era no segundo piso do pavilhão que tinha largos corredores e muitas portas. Num dos corredores jazia uma velha máquina de matraquilhos. Outros doentes percorriam incessantemente os corredores; uns cabisbaixos outros de forma alucinada e patética. Uma das portas estava fechada. Pelos vidros descortinei que era a que dava acesso aos enfermeiros e à sala de refeições. Uma enorme vontade de fumar me atormentava mas não tinha cigarros e ali era proibido fumar. Esperei pacientemente que nos libertassem e tomei um pequeno-almoço mau. Uma carcaça chocha e sem gosto e um copo de leite com café. Não me senti reconfortado. Descobri depois uma espécie de sala de estar com velhos sofás de napa vermelha e cadeiras, onde se podia fumar. Vários homens e mulheres fumavam avidamente, cigarro após cigarro. Tinha uma vontade imensa de também o fazer mas envergonhei-me de pedir um cigarro. Sentei-me e interroguei-me: “E agora o que vão fazer de mim”?  A resposta não tardou. De repente estava frente a um médico. Disse-lhe dos meus problemas. Ele não acreditou que eu bebesse só três ou quatro bagaços por dia. E disse-me: ”Pelas análises que tenho aqui ao seu fígado não acredito que fosse só isso. Deveria ser mais. Ora diga lá…” Eu reiterei que era só isso mas as análises que eu tinha feito na noite anterior, ainda no Curry Cabral, diziam-lhe outra coisa. Depois disse-me: “O senhor vai para o pavilhão 29 se lá houver vaga”. Fiquei incrédulo. Então acabava de entrar e já ia ser transferido de pavilhão? Na altura não compreendi por quê. Mais tarde viria a sabê-lo.
Passei o resto da manhã sofrendo intensamente. Tremia por dentro como varas verdes. O que teria acontecido à minha mãe? Teria morrido? Teriam conseguido salvá-la? E os meus irmãos e filha que estariam a fazer? Uma enorme vontade de fumar não me largava. Almocei qualquer coisa intragável que já não recordo. A meio da tarde, acompanhado não sei porquê do enfermeiro-chefe, atravessei de chinelas de cartão várias ruas e canteiros do jardim do hospital, ainda enlameados e molhados pela chuva da noite anterior.
“Isto é perto doutor… venha, vai para o pavilhão 29 onde estão os alcoólicos e não só. Vai ver doutor isto é já aqui”. Era a primeira vez que me tratavam por doutor nos dois hospitais onde estivera. Aquilo soou-me a estranho.
O pavilhão 29 tinha apenas dois andares. A enfermaria ficava no piso térreo. Ali fui recebido por mais uma auxiliar e um enfermeiro. Indicam-me a minha cama. Seriam, talvez, seis horas da tarde. Um homem grande, com uma respeitável barriga e outro muito pequenino receberam-me. Eram também doentes. O mais alto e forte disse-me: “Então temos aqui um novo companheiro”. Eu confirmei com a cabeça e apresentei-me. O homem mais pequeno, com uns olhinhos pequeninos mas muito vivos e brilhantes, também me cumprimentou. Mas logo fui chamado pelo enfermeiro para medir a tensão e levar uma injecção. Baixei as calças, descobri as nádegas e ele deu-me a injecção. E disse-me: “Você está cheio de nódoas negras. Que lhe aconteceu?” Aquele você soou-me mal. Eu não trato ninguém por você mas por senhor ou senhora. Respondi sem vacilar mas mentindo: “Caí.” Na verdade, as nódoas negras eram o resultado das intensas chicotadas que meu irmão me infligira. Mas eu envergonhava-me de dizer o meu irmão, um homem culto e educado, me infligira uma carga de pancada com tal violência.
Naquela noite comi tudo o que mepuseram no prato embora a comida fosse intragável. A fome ditava leis. Em situações de desespero fala mais alto o instinto de sobrevivência. Após a ceia dormi como uma pedra.
Na manhã seguinte, logo após o pequeno-almoço, uma senhora baixa, sem bata branca, muito pintada, acercou-se de mim e disse-me: “Venha comigo”. Segui-a sem perguntar sequer ao que ia. Sentámo-nos num pequeno gabinete. Ela era médica psiquiatra, percebi-o logo no momento. Contei-lhe a minha história recente. Ela disse-me que as análises que fizera estavam boas, excepção feita às do fígado que se encontravam alteradas. Disse-me, também, que já falara com o meu irmão. Julgo que pelo telefone. E informou-me que, na manhã seguinte deveria comparecer na “Área de Dia” ou seja na UTRA–Unidade de Tratamento e Recuperação Alcoológica. No fundo era para uma terapia ocupacional. Fiquei ansioso sobre o que me aguardaria.
As refeições eram normalmente tomadas em silêncio só entrecortado por algum pedido de um doente ou a recusa em comer e pelo linguajar das auxiliares. Os enfermeiros também estavam presentes para dar a medicação a cada um dos doentes e dar ordem de saída aos que já haviam terminado as refeições. Um regime tipo militar mas que reconheço necessário para manter a boa ordem. Um dos auxiliares, um homem de cara rude e fechada, com um bigode farfalhudo e exuberante, era uma pessoa intratável. Tratava os doentes como cães e sem qualquer humanidade. Ainda causou alguns problemas com doentes que protestaram com ele devido ao tratamento rude, desumano e sem piedade que usava. Os doentes com ordem de soltura para lá dos muros do parque hospitalar, diziam que ele era também alcoólico pois frequentemente o encontravam a consumir bebidas alcoólicas num estabelecimento a Av. do Brasil. Não pude nunca confirmar se isto correspondia ou não à verdade, mas que vários doentes o diziam é também pura verdade. À noite, após a ceia e para os fumadores, havia repetidamente o exercício de entregar aos enfermeiros o maço de tabaco e o isqueiro antes de recoplher às enfermarias para dormir. Apesar da atenção dos enfermeiros, alguns doentes, poucos, conseguiam iludir esta determinação e levavam um isqueiro e alguns cigarros enquanto entregavam outros objectos do mesmo género aos enfermeiros. Enfim, coisas que sempre acontecem quando se encontra coartado de alguma liberdade. Eu nunca o fiz e cumpri sem dificuldade o que me exigiam.
Na tarde do terceiro dia de internamento recebi pela primeira vez a visita dos meus irmãos e cunhada. Fiquei muito feliz de os ver e perguntei desesperadamente pela minha mãe. Sossegram-me dizendo que estava internada no Hospital de Cascais mas livre de perigo. E que deveria sair nos próximos dias e que pensavam levá-la para um lar de luxo. Pedi, também, com desespero, tabaco. O meu irmão, solícito, foi comprar um pacote com 10 maços. Pedi roupa e sapatos e algumas moedas para o café. A visita foi breve por pressão do meu irmão. Solicitei- lhes que informassem a minha filha de que me encontrava internado, o que não viriam a fazer.
Depois de os deixar naquele final de dia de um Novembro frio, húmido e chuvoso, chorei copiosamente deitado na cama, de barriga para baixo, cabeça perfurando uma almofada mole.
A enfermaria estava dividida de acordo com os sexos. Mulheres de um lado, homens do outro mas esta divisão só se fazia sentir de noite, ao deitar. Durante o dia homens e mulheres partilhavam os mesmos espaços, todos exíguos e constituídos pelos corredores, sala de fumo, sala de refeições, sala dos enfermeiros, sala para os tratamentos, cozinha e sala só para os enfermeiros tomarem as suas refeições e vedada aos doentes e sala para consulta médica.
No grupo das mulheres, como no dos homens, havia gente com depressão acentuada, como eu, bipolares, esquizofrénicos, etc. e alcoólicos. No grupo das mulheres havia um grupo de alcoólicas que se destacava. Tinham um rádio que tocava muito alto, passavam o dia jogando às cartas e a dizer palavrões e as suas conversas rondavam sempre o sexo e faziam-no diante dos homens sem qualquer pudor. Depois havia o grupo das mulheres com depressão das quais se destacava uma menina de não mais de vinte anos que passava o dia a chorar e a tremer e mal falava. Vestia um pijama estampado de ursinhos sobre fundo azul celeste. Via-se que estava a sofrer muito mas era muito educada e gentil e pertencia, decerto, à classe média. Outra das mulheres chamou também a minha atenção. Não era alcoólica mas não estava bem da cabeça; chorava todos os dias, gritava, arranhava-se, fumava as pontas dos cigarros abandonadas nos cinzeiros, agredia e empurrava certos homens que seleccionava não sabendo eu porque os escolhia. Não fui nunca alvo da sua atenção.
No grupo os homens destacava-se um engenheiro técnico, alcoólico, com quem eu muito conversava, o ferroviário, meu companheiro de quarto, o alentejano pequenino e esperto com quem também dividia o quarto, um sem abrigo que percorria incessantemente os corredores durante todo o dia e que emitia sons ininterruptamente, um jovem paquete que fumava todo o dia sem descanso mas que era muito gentil e educado e que nunca recusava o pedido de um cigarro. Quase sempre calado, não saía durante todo o dia da sala de fumo, um cubículo com uma janela sempre aberta apesar do intenso frio, com uma dimensão talvez de metro e meio por um metro e onde estava também instalada uma máquina de café que era desligada todos os dias pelas cinco horas da tarde. Havia também um grupo de homens jovens todos alcoólicos, mafiosos e de quem eu tinha um certo receio. Um homem sob intensa depressão destacava-se também. Uma vez chegou a ameaçar-me de agressão apenas por eu lhe ter dito que a porta que tentava abrir era a da barbearia e que estava fechada. Uma vez calçou uns ténis de outro doente e foi obrigado a descalçá-los. Não mais me dirigiu a palavra nem eu a ele. Fiquei sempre com medo dele e transmiti esse meu sentimento aos enfermeiros e a duas jovens estudantes de enfermagem, muito solícitas e empenhadas que dirigiam aos doentes palavras de grande conforto.
Na minha enfermaria havia, também, dois negros. Um deles, pela cor da tez, era decerto cabo-verdiano e impressionava-me vê-lo todos os dias, durante todas, mas todas as horas, de pé, um pé adiante do outro, completamente imóvel, com um olhar distante, como se observasse um horizonte imaginado. O outro, forte como um touro, estava sempre calado apenas pedindo cigarros a toda a gente.
Um velho nonagenário chamava, também, muito, a minha atenção. Muitas vezes sentado na sua cadeira de rodas, amarrado com lençois enrolados a fazer a vez de cordas, berrava incessantemente durante todo o dia e noites. Chamava pelo pai e gritava durante todo o dia mas, principalmente, de noite por uma tal Yolanda. Queria pagar as refeições e pedia para o levarem a casa que, segundo a doideira dele, ficava logo ali depois da linha do combóio. Quando ele pedia muitas vezes o passeei pelos corredores ouvindo as suas frases sem nexo. “Não está em sua casa, está no hospital. Não pode ir embora. Não pode ir á casa de banho, tem fralda. O seu pai já morreu, não está aqui. Está no hospital”. Disse-lhe isto muitas vezes sem qualquer resultado, é claro. Numa das noites, por volta da uma da manhã, o velho ficou com a tensão muito baixa. Foi chamada uma médica de urgência. Ela ordenou o seu transporte imediato para o Hospital de Santa Maria de onde, aliás, tinha vindo. Haveria de regressar, uns dias depois, já recuperado mas em estado de completa insanidade mental. Nunca mais soube nada dele e imagino-o ainda amarrado à cadeira de rodas num corredor de um qualquer hospital. E não esqueço o dia em que o velho homem defecou no chão, em grande quantidade, e fui eu com papel higiénico que limpei as fezes espalhadas no solo.
Também me impressionava muito um jovem alto, todo calvo, que se rebolava pelo chão e que eu tentava muitas vezes levantar sem o conseguir por falta de força para erguer um corpo como que inanimado e mais alto e forte do que eu. Numa das minhas tentativas para o erguer eu e ele caímos redondos no chão. Ele magoou-se ligeiramente na cabeça e, depois disso, jamais o tentei erguer. Ele deambulava pelos corredores dizendo palavras sem nexo, com as mãos à frente do corpo como se fosse cego. Os pais visitavam-no todos os dias, levando-lhe alimentos e era patente a paciência e amor que lhe dedicavam. Durante essas horas de visita de familiares e amigos os doentes sem visitas ficavam fachados à chave o que para mim constituia grande provação.
Aos poucos fui ganhando uma certa cumplicidade com o ferroviário que se deitava ao meu lado. Ele, embora muito diminuido na locomoção, estava bem-disposto e gracejava mesmo comigo. Eu ajudava-o a andar e a escolher roupa para vestir bem como o alertava para as refeições e entrega do pijama e toalhas. Ele aconselhava-me calma quando eu me sentia mais nervoso. Foi pela minha mão que ele saiu uma primeira vez do pavilhão, só até ao fim das escadas do mesmo, tendo-o feito com muita dificuldade mas conseguiu assim respirar ar fresco. Consegui isso pedindo-o a um enfermeiro muito atencioso e educado que atendeu prontamente ao meu pedido. Aliás, voltaria a pedir-lhe o mesmo mas, dessa segunda vez, ele próprio se disponibilizou para acompanhar um grupo grande de doentes, homens e mulheres, e fez um autêntico passeio guiado pelos jardins que rodeiam os pavilhões do hospital e o constituem. Dessa vez, o ferroviário de braço dado comigo, passinho atrás de passinho, cumpriu com gozo a caminhada. Ele não estava deprimido, era apenas alcoólico e a sofrer os efeitos da desintoxicação e, com o tempo, tornou-se num bom amigo meu.
À ceia havia sempre contestação. Todos queriam manteiga em vez de doce para barrar uma carcaça de má qualidade que mais se assemalhava a borracha do que a pão. O grupo dos contestatários explícito era um grupo de jovens trintões que atrás caracterizei de mafiosos. Eleboraram uma petição que entregaram à enfermeira-chefe convencidos os coitados que ela teria qualquer acolhimento no sentido da satisfação dos seus desejos. Assinei-a, convencido da sua inutilidade mas fi-lo para não destoar de todos os restantes. E a manteiga continuou a faltar às ceias, aparecendo talvez uma vez por semana.
Nos dias de futebol alguns homens e, também algumas mulheres, pediam que a única televisão disponível para os doentes, colocada na ala dos homens, se mantivessse ligada para lá das nove horas, altura de recolher para dormir. Alguns enfermeiros acediam ao pedido e deixavam os doentes ver o futebol até ao final das partidas. Eu nunca vi futebol, nem mesmo quando jogava o “meu” Benfica ou a Selecção Nacional. Eu já estava muito ansioso e muito nervoso e não queria adicionar mais ansiedade e instabilidade ao meu ser. Deitava-me mas só conseguia adormecer quando se fazia silêncio absoluto, entrecortado pelos gritos do velho homem, vindos do fundo do corredor e que continuava a berrar:”Yolanda, Yolanda. Vem cá, Yolanda”. E era sobre esta sinfonia de gritos que acabava por adormecer.
Uma noite não consegui dormir. Levantei-me pela meia-noite e bati desesperadamente nos vidros da porta trancada. Momentos depois uma auxiliar abriu-me a porta. “Que quer senhor, então que quer a estas horas?”. Disse-lhe que não consegui dormir e que estava desesperado. Ela retorquiu-me:”Vou chamar o enfermeiro”. E logo estava cara a cara com o enfermeiro. Pedi-lhe que me desse um Diazepam liquido a que os doentes chamavam uma “amarguinha” por causa do seu travo acre. Ele respondeu-me o óbvio: ” Mas já tomou. Não posso fazer-lhe nada”. Mas à minha insistência deu-me uma injecção. Passados poucos minutos dormia profundamente.
Os alcoólicos gabavam-se muitas vezes das suas aventuras com o alcoól. Homens e mulheres não escondiam a sua dependência do alcoól. Não tinham vergonha. Eu tinha e muitas vezes assisti ao ferroviário e ao alentejano dizerem que bebiam vinte, trinta cervejas por dia ou cinco ou seis litros de vinho. E, apesar de abstinentes, não escondiam ppor vezes o seu desejo de emborcar uma ou duas cervejas ou uma boa aguardente.
No meu quarto dormia também um covilhanense, calceteiro de profissão, que também era alcoólico. Como os outros exprimia também o desejo de beber um bom vinho. Era um pobre diabo que usava fralda pois já não continha a urina. Comia desalmadamente. Engolia a refeição que lhe era destinada e mais uma ou duas destinadas a outros doentes que não haviam tocado na comida. Eu, todas as manhãs, ajudava-o a mudar a fralda encharcada e fétida de um cheiro acre da sua urina. Sentia uma certa afinidade com ele por ele ser da Covilhã, cidade onde nasceu o meu pai, e deliciava-me a ouvi-lo falar da sua cidade, dos seus locais, recantos e gentes que eu bem conhecia da minha juventude. Ele era um homem pacato, simples e educado que não importunava ninguém. E falava também muito com o ferroviário que era de Castelo Branco e que também conhecia bem a Covilhã. A Covilhã e Castelo Branco eram e são cidades beirãs rivais embora Castelo Branco seja a capital de distrito. Essa rivalidade também transparecia nas palavras trocadas por aqueles dois companheiros de infortúnio que o destino juntara num mesmo pavilhão de hospital.
Na maioria andávamos muito mal vestidos. Com roupa doada ao hospital. O ferroviário usava uma camisola branca com um enorme anúncio da Repsol. Eu bricava com ele: “É accionista da Repsol?”. Era difícil escolher roupa para ele pois era alto e forte. Todas as manhãs a saga da escolha da roupa para ele era uma batalha. Nada lhe servia e todas as camisolas não passavam a barriga proeminente. Eu e o alentejano iamos procurando roupa que ele ia vestindo até descobrir alguma que lhe servisse. Como ele demorava eternidades no duche eu e o alentejano iamos fazendo esse trabalho de lhe escolher a roupa para usar. Eu vestia um fato de treino grená que alternava com outro exactamente igual. Um dia um enfermeiro invectivou-me: “Oh homem, tire-me isso! Vestido assim eu fico a pensar coisas…”. Fiquei depois a saber que estava a vestir roupa destinada aos internados compulsivamente e daí a chamada de atenção do enfermeiro. Por felicidade, a minha irmã trouxe-me, entretanto, roupa nova mas comprada nos ciganos que eu passei a usar  e que considerava um luxo. O meu irmão trouxe-me também uns sapatos de ténis dos mais baratos do mercado mas que para mim significaram os melhores ténis do mundo. Quando se está num estado de necessidade tudo, por mais simples que seja, nos parece um luxo.
Entre os fumadores a luta pelos cigarros era uma constante. “Dá-me a tua ponta” era frequente ouvir-se sobretudo entre os homens. Vários fumavam as pequenas pontas de cigarros já fumados pelos outros e também as procuravam com avidez nos cinzeiros. Eu nunca o fiz porque, por felicidade, o meu irmão trazia-me sempre cigarros e os enfermeiros que guardavam os maços até se admiravam da quantidade de tabaco que eu tinha. A pequeníssima sala de fumo tinha sempre a lotação esgotada e a sala tinha tanto fumo que mal nos víamos uns aos outros. O ferroviário que não era fumador, vinha muitas vezes à sala de fumo para me fazer companhia. Na sala eu tinha longas conversas com o engenheiro técnico sobre alcoolismo, sobre as nossas profissões, sobre política e o estado miserável do país, sobre as notícias do ”Expresso” que a filha dele lhe levava todas as semanas. O meu irmão também me trazia “A Visão” ou o “Diário de Notícias” que eu lia de uma ponta à outra. Os que podiam sair do hospital também compravam jornais, sobretudo desportivos, e deixavam-me folheá-los lendo as “letras gordas” dos seus títulos bombásticos.

III

Ao terceiro dia, pelas dez da manhã, fui convidado a participar na UTRA – Unidade de Tratamento e Recuperação Alcoológica. O enfermeiro chamou-me a mim, ao engenheiro técnico, a uma chefe de limpezas, ao alentejano ladino e ao covilhanense calceteiro. Guiados pela chefe de limpezas, já veterana nestas andanças, com uma pastinha contendo uma espécie de folhas de ponto, lá fomos atravessando os jardins até ao pavilhão da UTRA.
O edifício, um antigo ginásio, era acessível através de uma rampa e estava, como todos, em relativa degradação. Fazia muito frio e chovia. Mas tudo aquilo para mim significava liberdade. E a liberdade, mesmo só a de movimentos, é indispensável ao ser humano. Entrámos e logo nos deparámos com um espaço relativamente amplo, com uma série de mesas corridas a meio, ladeadas de cadeiras onde estavam sentadas uma quinzena de pesssoas. Tudo isto rodeado por grandes painéis com trabalhos escritos que presumi serem da autoria dos doentes. No topo das mesas estava sentada uma rapariga jovem, loira, um pouco menos que a minha filha, com uns óculos professorais. Era ela que comandava o grupo. Era ela a maestrina daquela orquestra. Depois vim a saber que se tratava de uma psicóloga. Sentámo-nos e os principiantes foram convidados a apresentarem-se. Eu fi-lo, identificando-me pelo nome, idade e profissão. Disse: “Sou jurista e não sou alcoólico. Apenas recorri ao alcoól durante três ou quatro meses, por razões que posso explicar”. E logo uma senhora baixa e gorda, de penteado irrepreensível, muito pintada, com batom nos lábios e grandes linhas esverdeadas sobre os olhos me invectivou: “Eu também sou médica e não venho aqui agitar esse facto”. Eu fiquei incrédulo e senti tremendo choque. “Uma médica alcoólica? Uma médica ali? Afinal o alcoolismo nada tinha a ver com condição social, habilitações literárias, profissão ou local de nascimento”. A surpresa levou-me a ficar quieto e calado como um rato. A psicóloga ordenou de imediato um intervalo de meia hora. Ainda mal tinhamos chegado e já havia intervalo. Aproveitei para fumar um cigarro, beber um café com os meus companheiros de internamento e, depois, percebi que os que não estavam internados já tinham entrado na UTRA às nove horas de manhã.
Reentramos depois na sala para analizar um texto de um autor conhecido com tema que já não recordo. E, como era fim-de-semana, ficamos de escrever um diário onde deveríamos dar conta dos nossos sentimentos e emoções. Fiquei convencido sobre a bondade do serviço. Aquilo estimulava-nos cerebralmente, fazia-nos pensar, reflectir, conviver com outras pessoas e eu sentia a cabeça parada, incapaz de pensar, de imaginar, de me redescobrir. E voltei com os outros para ao pavilhão 29, para aquilo que para mim era uma prisão. Porque a verdade é que nós estavamos presos e sujeitos a vigilância permanente, com horas certas para comer e deitar, fechados à chave durante longos períodos. Mas voltei determinado a agir. Eu tinha de convencer o ferroviário a ir para a UTRA. É que, caramba, o homem tinha mais do que capacidades intelectuais para ir participar nos trabalhos desenvolvidos na UTRA e não fora convocado. Passei a tarde e o sábado e domingo a convencê-lo a participar, a pedir à médica que era a mesma que eu tinha, a ordenar que ele fosse convocado para assistir e participar nos trabalhos da UTRA. No final de domingo ele estava convencido a pedir à médica para ir para a chamada “área de dia” ou seja a UTRA. E ele assim fez junto da médica que acedeu ao pedido feito. Fiquei muito contente. Agora o ferroviário meu amigo e companheiro de horas dolorosas também viria comigo para a “área de dia” libertando-se durante muitas horas daquele cárcere que era o pavilhão 29. E também seria estimulado intelectualmente, coisa de que ele bastante precisava.
O ferroviário era doido por mulheres. Falava muito de mulheres e manifestava mesmo o seu desejo de as possuir carnalmente. Muitas vezes, nas nossas idas até à UTRA, cruzavamo-nos com mulheres negras, sobretudo auxiliares no hospital, e ele dizia-me divertido: “Olhe doutor, chocolate! Tão bom chocolate!. Que bem se comia este chocolate!” Eu não respondia. Não tinha qualquer interesse por mulheres senão a minha e, confesso, estava mesmo impossibilitado fisicamente de as possuir no sentido literal do termo. Efeitos da camada de comprimidos que tomava e continuo a tomar.
Sem se aperceber disso a psicóloga maestrina haveria de causar uma grande revolução na cabeça daquele ferroviário sobre a forma como ele olhava as mulheres. Muitas vezes eu, mas também o engenheiro técnico, lhe chamavamos a atenção sobre a forma como ela regia a orquestra, com inteligência e determinação, sobretudo quando algum músico, quero dizer doente, entrava em desafinação completa, sendo inconveniente ou mesmo malcriado ou quando era detectado um que se encontrava sob o efeito do alcoól. O ferroviário concordava comigo e, aos poucos, começou a ver a psicóloga de outra forma e mesmo as mulheres em geral. Aquilo a que ele chamava “a escolinha do Baião”, numa referência a um horroroso programa de televisão, começou a transformar-se numa coisa muito importante para ele. Passou a ser mais compenetrado, atento e desejoso de cumprir bem com o que lhe propunham na UTRA. Mesmo assim, não evitou um dia um sorriso sem maldade quando a maestrina apareceu de mão dada a um jovem homem de bata branca. Mas daí para a frente passou a elogiar a inteligência, modo de ser e determinação da psicóloga maestrina e fazia-o com ineludível seriedade.
O corpo técnico da UTRA era constituído por um Director, um médico alto e forte, de cabelos brancos como a neve, pela mimha médica, pela psicóloga já referida, por uma enfermeira sem bata, muito pequenina, com uma carinha muito bonita, por uma outra psicóloga que se encontrava de baixa de parto mas que haveria de voltar e de eu a conhecer e por uma administrativa com nome de pastorinha vidente de Fátima. Havia também um jovem alto e forte que fazia sessões de musicoterapia e só aparecia às sextas-feiras de tarde. Quando me falaram em musicoterapia num hospital público achei aquilo um luxo. Na verdade, a musicoterapia hevaria de desiludir-me e adiante explicarei porquê.
Eu estava habituado a luxo de outras vezes que estive internado numa clínica privada em Lisboa e na famosa London Clinic, em Harley Street uma rua que desemboca em Oxford Street, perto de Oxford Circus. A clínica era um luxo, tanto do ponto de vista médico, como de enfermagem, limpeza e comida apesar de os ingleses não terem culinária. Eu lá estava num quarto particular, com televisão que via diariamente acompanhando os noticiários britânicos, numa cama articulada muito confortável com lençóis mudados todos os dias. Mas estava preso a uma coluna com um saco de líquido que era a quimioterapia. Entrava à segunda-feira e saía à sexta sempre sujeito à quimioterapia, dia e noite. Estava completamente calvo e muito enjoado. Tinha a companhia diária da minha mulher que me dava forças. E tinha uma filha bébé em Portugal que me dava uma enorme força para vencer o cancro. No quarto do lado estava um membro da família real da Arábia Saudita, acompanhado de muitas mulheres com um lenço na cara que só deixava ver-lhes os olhos. O homem fumava no quarto que se desunhava e eu, quando me levantava, sempre agarrado à coluna metálica com o saco com o líquido da quimioterapia, tinha muita curiosidade em ver o rosto dquelas mulheres. Um dia, para tomar o pequeno almoço, uma delas afastou levemente o lenço que lhe tapava a  cara para poder levar alimentos à boca. Os meus olhos, por puro instinto e curiosidade, fitaram-na fixamente. Ela notou e cobriu com rapidez o rosto. No piso inferior estava um banqueiro português, dono de um dos maiores bancos nacionais. E, também, uma jovem portuguesa, com cerca de dezasseis anos que tinha cancro. Um dia veio visitar-me ao quarto, desejosa de conhecer um compatriota e de falar português. Fiquei muito feliz. Senti uma irreprimivel satisfação de estar com aquela portuguesa como eu e vítima de cancro de que eu também sofria. Ela estava igualmente encantada. Isto acontecia, aliás, com os empregados da cadeia  de restauração “Ponti’s” quase todos portugueses e alguns italianos e que faziam os possiveis e impossiveis para me servir primeiro e o melhor possivel, a mim a minha mulher que me acompanhava. Os portugueses a entreajudarem-se como é costume quando estão longe da pátria-mãe. O luxo da “London Clinic” que recebe também os membros da família real britânica e onde morreu a chamada rainha-mãe, a progenitora da actual rainha Isabel II, contrastava agora fortemente com os velhinhos pavilhões do Hospital Júlio de Matos e com o tratamento pessoal dado pelos enfermeiros e auxiliares muito menos humano que o dado pelos ingleses que conhecera. Sobretudo com o tratamento dado pelo tal auxiliar de farto bigode, uma pessoa mesmo má e execrável que a todos atingia pela forma brutal como tratava os doentes. Eu, pura e simplesmente, ignorava-o, nunca troquei qualquer palavra com ele. Para mim era como se não estivesse presente. O mesmo fazia o engenheiro e o ferroviário.
Aos sábados e domingos, em Londres, eu estava livre da quimioterapia e faziamos algumas compras em Oxford Street, no “Selfridges”, no “Harrods”, ou em Regent Street na maior loja de brinquedos do mundo, a “Hamleys”. Eram prendas para a minha filha de quatro anos e para o meu enteado, alguns anos mais velho mas ainda criança. Eu tratei-o exactamente como um filho dando-lhe o melhor de tudo o que ele precisava. Frequentou sempre os melhores colégios particulares, vestia na “Cenoura” a loja de roupa infantil de referência na época, e na Benetton de Londres que, na altura,  não abrira em Portugal.
Os funcionários da Agência Abreu também me deram grande apoio ao longo das cerca de dez estadias em Londres para curar o cancro que se incrustara no meu corpo. Davam-me tratamento de privilégio no Hotel Montreal, em Oxford Street, junto a Marble Arch; visitavam-me na clínica, traziam-me libras de Portugal, foram, numa palavra, inexcedíveis quer os que se encontravam no Porto, quer os que trabalhavam na agência em Londres. Chegaram ao cúmulo de me mandar buscar a Heathrow ous a Gatwick, num grande mercedes preto de oito lugares, com seis portas.
Infelizmente, hoje o meu enteado não me fala, não me atende o telefone, não responde ás minhas mensagens. Trata-me com indescritível desprezo. Por mais que queira explicar o porquê desta postura não consigo descortinar a razão porque me abandonou. Sofro muito com isso. É uma enorme dor que me assola. Criei um monstro sem o saber.
Ele e a minha filha nunca me visitaram durante o tempo em que estive internado no Júlio de Matos. Mais uma dor profunda, intensa, vertical, porque me atravessava da cabeça aos pés. A minha filha disse-me que tentara visitar-me mas não encontrara o pavilhão 29. Uma explicação que eu não aceitei porque ela é uma jovem culta, viajada, formada superiormente na Universidade de Lisboa, espedita e que, tentando, sempre encontraria o pavilhão 29 desde que estivesse imbuída de verdadeira vontade de ver o pai. Mas eu também sentia uma dor profunda da minha mulher não me visitar uma única vez no hospital. Nós conheciamo-nos desde crianças e eu entendia que para lá do casamento sempre perduraria a amizade de infância.
O médico inglês atendia-me com pontualidade britânica. Se era para as quatro horas era naquela hora e nem mais um segundo. Naqueles primeiros dias de Dezembro, um grande nevão se abateu sobre Londres. Eu e a minha mulher percorremos a pé Oxford Street e Harley Street, com umas galochas, enterrando na neve os pés e as pernas até aos joelhos.
No consultório o médico fitou-me fixamente. Apontando para uma radiografia minha disse-me: “o senhor está a ver isto aqui? “. Eu respondi que sim. Era para mim só um pequeno ponto negro, uma mancha escura. “Nós  não sabemos o que isto é mas estamos com uma certa convicção de que se trata de um aglomerado de células cancerosas mortas. Na dúvida vamos ter que operá-lo para retirar isto e analisar. Vai ter que ser operado para tirarmos isto.” “Vamos  a isso doutor, quanto mais depressa melhor!” No dia seguinte eu e ele estavamos frente ao cirurgião, um homem muito alto, como uma fleuma e elegância de trato que só os ingleses têm. Ele disse-me: “ Preciso que assine este documento porque há a possibilidade de termos de lhe  retirar um rim e o senhor tem de dar autorização para isso.” Assinei sem qualquer reserva. Eu tinha uma ilimitada confiança naqueles dois médicos. E a operação aconteceu. Fui aberto dos testículos atá ao meio do peito. No dia seguinte à intervenção o operador visitou-me no quarto e disse-me:”Tirámos tudo mas absolutamente tudo! Não foi preciso mexer no rim.” As análises, cujos resultados me foram comunicados no próprio dia, tinham comfirmado que se tratava de células mortas.  “Daqui a três dias vamos tirar os pontos e depois pode seguir para o seu país solarengo”. Fiquei feliz. Uma felicidade imensa me invadiu. E também gostei que ele se referrisse ao meus país como o país do sol. Eu estava curado  e a  prova disso é que passaram mais de vinte anos desde aquele dia.
Na UTRA, para além da médica alcoólica, mais três pessoas chamavam muito a minha atenção. Uma era uma rapariga alta, muito bonita, de grandes olhos castanhos. Era mãe de duas meninas e casada. Era alcoólica e havia misturado o alcoól com outras drogas duras, julgo que cocaína. Era muito inteligente e empenhada. Durante o tempo em que convivi com ela na “área de dia” ela recaíu no alcoól duas vezes. Para mim era um grande sofrimento quando alguém recaía mas isto não impressionava a psicóloga, muito habituada a lidar com alcoólicos. Uma vez eu, com a minha depressão, em determinada ocasião e por facto que já não recordo, chorei muito diante de todos. A rapariga alta e bonita colocou sensivelmente a mão dela sobra a minha mão. Foi um gesto de ternura de um ser humano para outro que está a sofrer que jamais esquecerei. Senti um enorme conforto. A outra pessoa em que a minha atenção incidia era um homem novo que, em estado de desespero, chegara a beber alcoól da farmácia.ele também havia misturado alcoól com outras drigas duras. Tivera, em tempos, uma máquina de fazer pipocas que vendia em feiras e mercados. E, como estava desempregado, respondia a anúncios e ia a entrevistas de emprego mas sonhava voltar a comprar uma máquina de fazer pipocas e retomar o negócio.
A terceira pessoa que me interessava era um professor de Ciências Naturais, formado em Biologia e que, apesar de estar na meia idade, já se encontrava reformado. Era um homem tímido e calado que só falava quando lhe dirigiam a palavra. Tinha dois filhos universitários, era casado, com o casamento em perigo por causa do alcoól, andava a fazer um projecto de investigação mas nunca soube sobre que matéria. Também nunca lhe perguntei. Saberia depois que ele, que nunca estivera internado, recolheria duas vezes ao pavilhão 29. Uma desgraça para um homem culto e educado mas incapaz de resistir ao alcoól. Mas não era caso únco. A médica alcoólica que eu conhecera na UTRA, também haveria, meses depois, de recair no alcoól e também foi internada e, no momento em que esrevo, continua a frequentar a UTRA mas agora com um aspecto desgrenhado e muito triste que muito me comoveu quando dei de caras com ela à porta do serviço. Ela foi incapaz de me cumprimentar e senti nela uma grande vergonha de me enfrentar. O ferroviário também recaiu e não mais pude contactar com ele pois não me atende o telefone. Julgo que também por vergonha de me confessar que voltou ao álcool.
No momento em que alinho estas palavras, estou sob grande depressão a qual, aliás, nunca em abandonou. Estou completamente sózinho. Se soubesse de modo indolor e rápido de me suicidar era já que me matava. A minha vida não faz sentido e não é verdade que todas as vidas humanas sejam para preservar. Há muita gente que não merece andar sobre o mundo e outra tanta cuja vida em nada contribui para a sociedade.

IV

A grande culpada da situação que vivo é a minha mulher. Foi ela a primeira que me abandonou. Um divórcio contra mim, que eu não queria, numa altura em que eu já estava intensamente deprimido e desempregado. No último dia em que receberia o fundo de desemprego, pelas nove da noite, mandou sentar-me no sofá. Ela também se sentou à minha frente. E, de repente, disse-me: “Acabou, acabou”.  Eu não entendi o sentido daquelas palavras e ripostei:” Acabou? Mas acabou o quê?” Ela disse-me: “Acabou o casamento. Estão ali os papéis para assinares o divórcio por mútuo consentimento”. Resisti. Disse-lhe que não o faria.  Procurei que visse que se tratava de uma maldade contra mim. Mas, passados poucos dias e em nome da nossa filha, acabei por assinar os documentos do divórcio.
Deixei tudo para trás. Os meus amados livros, todo o recheio da casa, saí com a minha roupa a caminho da Parede, para casa de minha mãe. Mas, à tarde, fui novamente despejado pelo meu irmão que invocou que aquela casa não era minha e que o divórcio ainda não tinha sido decretado. Voltei a fazer a mala e fui para casa da minha mulher que me recebeu sem amuo e me deixou dormir mais uma noite.
Estamos a 1 de Janeiro de 2011. Sinto uma irreprimivel vontade de me matar. A grande culpada de tudo isto é a minha mulher. Ela sabia perfeitamente que eu a amava e amo; continuo a usar a nossa aliança de casamento e, para mim, essa instituição é um sacramento e não um contrato civil, um papel que se rasga ou se reescreve ao sabor dos acontecimentos e conveniências. Uma das razões porque almejo que estas linhas passem a letra de fôrma, quer dizer sejam sujeitas à divina arte negra, é a de que todos saibam, pais, filhos, netos, irmãos, amigos, médicos e psicólogos, que se eu me suicidar isso se deve única e exclusivamente à atitude, ao desprezo, ao abandono a que fui votado por parte da minha mulher. Assim fica escrito para que perdure e não seja esquecido e a minha mulher adopte definitivamente uma atitude de vergonha, de recolhimento e auto-penalização pela atitude cruel e desumana, inqualificável a todos os títulos, que teve para comigo. Ela sabia perfeitamente que me lançava na sarjeta mais imunda, na vala mais profunda e nunca se condoeu com essa vil atitude. São palavras fortes, eu sei, mas são a tradução real do que se passou e demonstram uma atitude e comportamento sem qualificação, dirigida a mim, que sempre a tratei como uma princesa.
Há dias vi-a. Está velha como eu. Usa uns longos cabelos compridos completamente desajustados da idade que tem. Ficam-lhe horrorosamente mal e são impróprios da sua idade de cinquentona. É uma pessoa que não soube assumir a sua idade nem no fisico nem no comportamento. Demonstra uma felicidade, não sei se real ou fictícia, pois vive com dificuldades do magro salário que aufere e ainda tem de o repartir com a minha filha. É uma pena ver uma mulher que foi muito bonita e elegante, transformada numa gorda, de cabelos pelos ombros e dedicada a uma vida de estúrdia, de festas e romarias sem sentido. Estou no momento a ouvir as valsas de Strauss, no concerto de Ano Novo, transmitidas de Viena cidade que eu conheço pois já lá estive duas vezes. Mas nem a música me descansa. Uma forte vontade de me matar se abate sobre mim. Não sei que fazer. Agora, ao som do “Danúbio Azul” a minha vida entristece cada vez mais. Toca agora a Marcha de Radesky mas nem ela alegra a minha alma. Estou totalmente morto cerebralmente. Só vive o corpo, tudo o resto está morto. Paz à minha alma.

V

Há dias abri uma excepção no meu isolamento. Fui jantar com colegas da Associação empresarial onde trabalhei, a associação da indústria da divina arte negra. Fiquei ainda mais deprimido com o que encontrei. De todos os presentes só dois continuam a prestar a sua colaboração à organização. Os outros, por força de um poder despótico, desumano e cruel, reformaram-se ou despediram-se. Já não podiam aguentar a forma desumana como eram tratados. O ambiente de trabalho tornou-se para eles insuportável. Um deles foi mesmo ameaçado de pancada por quem superintende diariamente na organização. É claro que, num ambiente destes, nenhuma empresa, corporação, associação ou seja lá que organização for, pode prosseguir saudavelmente o seu escopo. Houve mesmo um caso em que uma jovem licenciada foi admitida ao trabalho numa certa manhã e despedida ao almoço do mesmo dia. O que é inaceitável é que a direcção da Associação não tenha conhecimento destes casos ou não actue de forma responsável perante eles. A Associação perdeu prestígio, intervenção social, poder perante as empresas que congrega as quais, aliás, foram deixando de ser associadas, umas por falência dada a crise económica que nos assola, outras por constatarem a completa inutilidade de pertencerem a uma organização moribunda que não serve para nada. Mas as coisas, mesmo feridas de morte, levam muito tempo a transformarem-se ou morrerem numa inércia que é, afinal, a completa inépcia e desleixo dos seus dirigentes. Eu sofro, também, com esta situação. Porque no meu tempo de dirigente da Associação esta não tinha como objectivo a simples defesa dos interesses do grupo de empresas que estavam inscritas. Apoiava escolas, fazia exposições promovendo a qualidade, lutava pela formação profissional de trabalhadores e empresários, lutava por uma concorrência sã, alertava para as necessidades de defesa do meio ambiente, publicava livros com interesse para a divina arte, negociava com respeito pelos sindicatos uma convenção colectiva de trabalho que concorria para uma saudável vida nas empresas e para uma concorrência leal, dialogava com os poderes públicos expondo-lhes as necessidades e anseios da indústria e alertava-os para a sua importância como indústria da arte, da cultura e da língua portuguesa aquém e além fronteiras, apoiava o restauro de velhos incunábulos existentes na Biblioteca Nacional de Portugal. E dotei-a, mesmo, de instalações modernas e modelares ao contrário de um velhíssimo prédio nas avenidas novas de Lisboa que se encontrava em completa degradação e em risco de derrocada.
Não é concebível que a Direcção de uma assocação não se aperceba da situação em que ela se encontra. Na verdade, não é durante umas horas, à terça-feira, que os diversos membros podem ter consciência do que se passa. Os actuais funcionários, por medo, talvez mesmo pelo terror instalado, não ousam denunciar esta situação. É por estas e por outras que o país se encontra no estado em que está. Por causa de chefias incompetentes, desinteressadas, desonestas e corruptas. Razão tinha o José Saramago, com quem nunca simpatizei nem como escritor nem como pessoa, que fugindo para Lanzarote votou o país, os seues dirigentes e mesmo o próprio povo, a um olímpico desprezo. Razão têm médicos, investigadores de todas as áreas, cientistas e outros profissionais qualificados que abandonam o país para trabalharem no estrangeiro. Razão tinha D. Pedro IV de Portugal, primeiro imperador do Brasil que, em carta dirigida ao pai, o rei D.João VI, no dia 19 de Junho de 1822, dizia o seguinte: “Vossa Magestade que é rei há tantos anos, conhecerá bem as diferentes situações e circunstâncias de cada país, por isso, Vossa Magestade igualmente conhecerá que os Estados Independentes (digo os que nada carecem como o Brasil), nunca são os que se unem aos necessitados e dependentes; Portugal é hoje em dia um estado de quarta ordem, e necessitado, por consequência dependente, o Brasil é de primeira e independente, atque, que a união sempre é procurada pelos necessitados e dependentes, ergo a união dos dosi hemisférios deve ser (para poder durar) de Portugal com o Brasil, e não deste com aquele, que é necessitado e dependente uma vez que Brasil todo está persuadido desta verdade eterna, a separação do Brasil é inevitável, se Portugal não buscar todos os meios de se conciliar com ele por todas as formas”.
Esta é uma verdade nua e crua. Portugal é um estado de quarta ordem cujo povo não de basta a si próprio. Nem sempre foi assim. Na altura da pimenta das Indias, do ouro do Brasil, da posse dos territórios ultramarinos em geral e do comércio que com eles faziamos e da extracção dos produtos locais, Portugal bastava-se a si próprio. Ao contrário do que dizem, a solução para Portugal na está na integração na Espanha. A Espanha não existe. O que existe é um conjunto de povos bem diferentes, com lingias diferentes que há séculos anseiam pela sua independência que Portugal conseguiu face a Castela e aos castelhanos. É o que acontece com o País Basco, com a Catalunha, com a Galiza. E nem as largas autonomias concedidas por Madrid a essas regiões vieram calar esse sentimento de independência. A Espanha é hoje um estado quase federal. Os destinos de Portugal nunca estiveram voltados para a Europa. O mesmo acontece com os ingleses os quais, também, se mantiveram sempre de costas para a Europa e assim continuam a proceder. E é curioso que tenha sido com Portugal que eles estabeleceram uma das mais antigas alianças políticas conhecidas. E, também, a política de casamentos reais que conosco estabeleceram. A Europa não existe. A Alemanha é um conjunto de estados federais que só há relativamente pouco tempo foi unificada. A Bélgica vive permanentemente ameaçada pela divisão entre flamengos e francófonos. A Suiça é uma confederação de estados com linguas diferentes, na Itália há uma profunda divisão entre o norte e o sul, foi durante séculos um conjunto de cidades-estado e só há pouco tempo se encontra unificada. A Checoslováquia foi desmembrada na República Checa e na Eslováquia. A antiga Jugoslávia foi desmembrada num conjunto de estados diversos. A Grécia foi durante séculos um conjunto de cidades-estado e a sua unificação é recente. O Reino Unido é isso mesmo: um reino constuído pela Inglaterra, Gales e Escócia, com povos diferentes e diferentes culturas. A Irlanda está dividida entre a Irlanda do Norte e a Irlanda propriamente dita. Os nórdicos também só há pouco tempo se constituíram como países independentes uns dos outros. A Turquia tem um enorme problema com os Curdos que reclamam a sua independência. Só Portugal, a França e a Rússia constituem nações com a mesma língua e o mesmo povo.E mesmo a Rússia,para lá dos Urais, encontra-se mais ligada à Ásia e aos países que surgiram depois da desintegração da União Soviética, alguns deles estados falhados onde também existem profundas divisões como na Geórgia.
Portugal conseguiu  a sua independência voltando-se para o mar. O futuro de Portugal não está na Europa ou, diga-se de outra maneira, na União Europeia. O futuro de Portugal está com com os territórios de África que constituíram as suas antigas províncias ultramarinas, com o Brasil e, pasme-se, com a China, com o Japão,com a Índia e com a Malásia.alguns destes países são países emergentes,países ricos, potências económicas e militares.Todos Povos que conhecemos muito bem e com os quais nos relacionamos e nos misturámos a racialmente.Um caso único em todo o planeta. Nada me choca, como pensava D. Pedro IV, imaginar uns Estados Unidos de Portugal e Brasil, com capital em Brasília, que nem a descontinuidade territorial seria capaz de abalar. Portugal seria o ponta de lança do Brasil na Europa e este estado seria um dos maiores do mundo,capaz de ter assento no Conselho de Segurança (o Brasil pode isso por si próprio),de enfrentar de igual para igual a China, Os Estados Unidos ou qualquer país europeu.Por outro lado teria relações de privilégio com Angola,com Moçambique,com a Guiné-Bissau outro estado falhado que poderia vir a integrar a União Luso-Brasileira), com S. Tomé e Príncipe, com Cabo-Verde (que poderia também integrar a União de Estados de Portugal e Brasil), com Timor Leste que é um país que está por provar se não é também um estado falhado, tudo dependendo do petróleo que exista nos seus mares, da cobiça dos Australianos e Indonésios, mas que é um recurso finito e uma forma de energia que virá a ser abandonada se as energias renováveis se impuserem em definitivo. a globalização crescente, A Internet cada vez mais rápida,os transportes aéreos e ferroviários cada vez mais eficientes e rápidos, os satélites, as comunicações telefónicas mais eficientes, a televisão do presente facilitam cada vez mais a possibilidade de se constituir uma união de Estados de Língua Portuguesa que poderia adoptar o nome, para não ferir susceptibilidades de nenhum dos países, de Confederação de Estados Luso-Afro-Brasileiros.